Daqui onde estou posso ouvi-lo pensando da lucidez de um instante à
opacidade de infinitos dias, posso ouvi-lo pensando nas diversas formas
de loucura e suicídio. A loucura da busca, essa feita de círculos
concêntricos e nunca chegando ao centro, a ilusão encarnada ofuscante de
encontrar e compreender. A loucura da recusa, de um dizer tudo bem,
estamos aqui e isto nos basta, recusamo-nos a compreender.
A loucura da paixão, o desordenado aparentando ser luz na carne, o caos
sabendo à delícia, a idiotia simulando afinidades. A loucura do
trabalho e do possuir. A loucura do aprofundar-se depois olhar à volta e
ver o mundo mergulhado em matança e vaidade, estar absolutamente
sozinho no mais profundo. Amós está? Daqui onde estou posso ouvi-lo
pensando como devo matar-me? Ou como devo matar em mim as diversas
formas de loucura e ser ao mesmo tempo compassivo e lúcido, criativo e
paciente, e sobreviver?
(Hilda Hilst, Com meus olhos de cão)