Há um ar de espanto
no teu rosto em silêncio pequenas pausas 
entre nós e as palavras 
que desfiamos 
Quando o silêncio (pausa mais longa 
que nos contrai o peito)
cai bruscamente 
duas mãos agitam-se meigamente as nossas 
e os mendigos, todos os mendigos 
espreitam ao postigo do teu pequeno apartamento 
coroados de rosas e crisântemos

É o momento 
em que afirmamos a realidade das coisas 
não a que vemos na rua e que sabemos fictícia

mas a outra

aurora cintilante 
que põe estrelas no teu sorriso 
quando acordas de manhã 
com um sol de angústia na garganta
acredita 
nada nos distingue 
entre a multidão anônima a que pertencemos 
embora 
o fotógrafo teime sempre 
em nos oferecer uma esperança 
- fluido imaterial que nem mil anos 
poderão condensar -

O nosso rastro 
mal se apercebe na areia 
condenados ao fracasso 
pequena glória dos pequenos heróis deste tempo 
ainda aspiramos 
no entanto 
a ser o índice deste século 
único sinal humano, florescente e salubre 
de contrário 
seremos apenas 
um halo de vento 
arco-íris de luto 
ou estrada para sedentários 
É ocioso 
preparar a objectiva 
que nos vai condenar a um número 
nesta cidade onde cada homem 
é escravo de uma arma 
Ocioso 
avivar as flores do cenário 
encher de luar o jardim do nosso afecto 
Só um acaso 
nos poderá revelar 
por isso 
fechemos o rosto 
meu amor.


(Pedro Oom Sacavém, março de 1973)